Atam-me as mãos, e tenho uma mordaça invisível a prender-me as asas. Tenho um peso na tua consciência. Tenho um esgar de dor quando desvio os olhos para te ver sabendo que nada encontro. Há apenas o sôfrego arfar da continuidade, do não parar.
Quero dormir para não acordar igual ... mudar de rosto, de cor, de nome, de mim. Levo-me às costas, arrasto-me e rasgo-me enquanto brincas aos heróis de pintar.
A chuva não vem. O sol está quente demais e definho. Apago-me, primeiro um braço, depois outro, até os meus olhos nada serem senão um buraco esborratado na página de um livro que afinal não passa de rascunho defeituoso. Como eu. Não deixo qualquer traço do que fui. Diluo-me imersa na multidão a que não pertenço.
Estou fria e baça, mortiça, indiferente, amarga. E crua.
Não há luar, não há brilho fora daqui onde me possa reflectir, não há calor, não há nada senão a imensidão do desespero que me sufoca, me dilacera e encerra num casulo perverso. Não me encontro, estou dispersa numa lista telefónica ordenada por sentimentos e não me encontro. É ténue a fronteira das definições para o que te chamo em delírio febril. Apetece-me esbofetear-te violentamente, marcar-te o rosto com as cicatrizes que transporto invisíveis, esmagar-te a indiferença, romper-te a apatia fácil rasgando-te a pele, derrotando o teu sorriso. Apetece-me enroscar no teu abraço, mas convenço-me de que és um réptil virulento, quebrar-me-ias os ossos até me reduzires a pó, e eu pó já sou, pó de nada, pó de estrada, pó de pisada.
Volto à minha concha, desiludo-me quase um pouco mais ... mato-me mais um bocadinho ferrugento, já que não conseguiste acabar o serviço. Perdi a cor, perdi a força e o brilho que te roubei. Só não te perdi, porque o que não existe não tem fim.
Sinto-me um guindaste tombado, sem nenhum valor facial ou comercial, estou presa ao mim que está preso a ti. Tira-me esse sorriso da frente, essa cara de quem nada esconde quando não sabes mostrar-te.
Desaparece!
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Hoje é o teu dia, caso não saibas ...