Apetecia-me fugir para dentro de alguém. Precisava de ficar dentro de alguém apenas o tempo suficiente para mitigar a falta que não queria que fizesses. O espaço é curvo. Daqui a seja onde for que estejas, é longe demais, mas no fundo, quem se perde sou eu.
Descalço-me quando saio para a rua à tua procura. Cada vez mais noto que me procuro a mim, num qualquer corpo. Meu, ou de qualquer outra pessoa. Descalço-me para ferir a pele, deixar a carne romper-se. A dor física não pode ser pior que esta fuga. Para a frente, sorrio da primeira vez. Para trás, murmuro eu ao fundo de mim.
(De que foges? Ouço a pergunta como se pela primeira vez a fizessem. De que foges, onde regressas? Para quem, para quê?)
Não consigo. Não consigo, por mais que fuja ou corra, por mais veloz que o meu vento seja, por mais forte que soe a minha voz. Não consigo. Cada passo que dou, caem no chão pedaços de mim, e eu, de tão apressada que vou, não páro para os apanhar e devolver ao meu sorriso. Então piso-me, de cada vez mais, de cada vez tenho menos, de cada vez dói um pouco mais, de cada vez sobra um pouco menos. Mas continuo a correr, para longe de mim. É de mim que fujo, é para mim que regresso. É a mim que quero esquecer no fundo dum poço. Onde se rirão mais tarde, era louca, demente, a pobre coitada.
Era.
Sou.
Apetece-me fugir para dentro de alguém. Apetece-me sufocar dentro de alguém. Já não tens rostos para me dar, és apenas uma ausência que se fez perda. Eu sou a perda. E se preciso tanto de ti para reconhecer a luz, é porque és, em verdade, apenas sombra.
[Estou cansada. Não quero escrever, não quero pensar, não quero continuar a saber, não quero nada verdadeiramente. Só desnascer. Hoje soube o que já sabia há muito tempo... o meu número é zero]