Três

5 gotas de arco-íris

E acontecem por vezes quedas que não nos deixam dúvidas, nem palavras, nem asas, nem sonhos. Só a certeza. Mas não sei do quê.

Não sei, e poucas são as vezes em que me remeto à insignificância de mim perante a magnitude do ás que teimas em jogar sem saber o que apostaste.
Ontem, ou pouco antes, ouvia as palavras sábias que me tentavam acalmar na inquietude da tua inconstância. Deixa, amiga, é apenas uma forma de saberes que não está resolvido dentro de ti nem entre vocês, deixa, que um dia o olharás nos olhos e verás que é ele o vazio, e não tu. Soube-o na altura. Eu serei o vazio e tu o nada.
E soube-o hoje novamente. Que enquanto sorria por pensar que seria possível pensar-te como uma miragem que lentamente se dissolve na memória. Enquanto me apercebia que os números têm magias por explicar, enquanto os repetia dentro de mim. Sempre tu, sempre na improbabilidade infinitésima, sempre no momento de entrar no comboio e esquecer os medos na estação. E sempre numa surdina imensa, e minha, apenas minha. Cada vez mais flagrante, mais palpável e tangível. Cada vez mais, sempre mais. De ti. Em mim. Sem nós.
E a ferida escorre sangue pintado antigo e seco, que se cola a mim e quase me asfixia. E só eu te vejo, porque permaneço invisível aos teus olhos. Não compreendo ... se apenas eu vejo as tuas pegadas.



E ao menos, pensas sequer em olhar para trás?


Retrato de família

4 gotas de arco-íris

Nem sei como me dirigir a ti ... suponhamos que aqui vem qualquer coisa como querido, caríssimo, excelentíssimo, ou algo menos informal, como o teu nome ou a tua alcunha.
Morreste-me hoje. Ainda que vivas, já não vives para mim, já nada te resta aqui. Cortaste-te e cortaste-nos.
Parece que ainda me lembro do cheiro sempre intenso com que entravas pela porta, o rosto rasgado, nos dias bons, a pele morena porque a praia era a tua paixão. Ainda te vejo na relva dos concertos que fomos, tu porque te apetecia, eu porque não tinha autorização. Recordo também o teu sorriso maroto, com duas imperiais na mão, porque não bebias sem companhia, e apenas eu te acompanhava. Inunda-me agora o cheiro mais ténue da ilegalidade cúmplice que fomos ocultando, tu porque não lhe encontravas mal, eu porque te queria acreditar assim, como o bom rapaz que julguei conhecer.
Sei de cor as viagens que fiz pela auto-estrada sem saber se te ia encontrar vivo ou morto, ou sem te encontrar sequer. Tenho gravada a imagem da tua casa fechada, os vidros no chão, o jardim imundo, sujo e por tratar. E tu à porta, magro que nem um cão. Limpo, mas por pouco tempo. Sorrio ao lembrar da vez que te levámos um bolo de anos com bonecos de desenhos animados a guardar as velas que anunciavam trinta e dois. Noite longa essa, passada na auto-estrada a caminho de ti. Com muita confusão juliana. E motas.
Lembro-me dos pormenores dos teus quartos em que estiveste para te renovar e descansar. Azuis, com grades. Nunca percebi porque teimavas em sair antes do tempo, se sabias que a escada desce sempre.
Mas estas são apenas as memórias reais de quem já não existe. Não te conheço, e a conhecer-te, tenho repulsa do que és, da besta disforme e canalha em que te tornaste. Do impiedoso turbarão voraz, do frio animal sem gota de sentimento, racional como nunca te julguei capaz de tal premeditação brutal. Ninguém te merecia isto, muito menos tu próprio. Eras o mais manso dos cordeiros, mas tornaste-te o mais carniceiro dos lobos. Envenenas o sangue que te gerou e se sacrificou todos estes anos para que pudesses viver. Destróis a velhice de quem nada mais viu senão a ti, quem te alimentou, quem te vestiu e amou da forma mais pura que soube. Violaste a palavra pai, negaste o abraço que te foi acarinhando. Por nada, por um nada branco e outro castanho. Pela merda que já não separas de ti.
Nada mais tenho para te dizer. Só que fiquei sem primo hoje.


... tomorrow I was nothing, yesterday I'll be ...

3 gotas de arco-íris

Aprendi a viajar no tempo. O mundo é uma caixa de segredos e cabe lá o tempo.

Porque te vi lá hoje. Vi as tuas mãos de criança brincarem com um carrinho azul, sempre o azul, rodopiavas em sonhos só teus, sem que nada te parasse. Não quis acreditar que eram os mesmos olhos que tão bem conheço, agora adultos, mas onde nunca conseguiste disfarçar a infância e a traquinice. Eras tu, sim, soube-o meu coração, ainda que a impossibilidade lógica o contradissesse. Eras tu, porque amei aquela criança antes ainda de ouvir o seu nome ... que era o teu.
Gravei-te em mim, docemente. E tu cravaste-me a distância de cinquenta curtos passos. O abismo.
Amo-te na criança que vi hoje, que tem os teus olhos, as tuas mãos e o teu nome. Não mais no homem que não te tornaste.


Calendário ...

2 gotas de arco-íris

Só porque me lembrei




Somaram-se dias … longos, pesados, alguns menos maus, outros quase bons, mas sempre um quase insuficiente para me tirar daqui.
O tempo passou sem passar, não passaste de mim. É tarde para voltarmos atrás, sim. E foi sempre tarde para algo mais. E só há dor cá dentro agora. Só. Nada mais que consiga vislumbrar nesse momento frágil em que o calendário me lembra datas que não tiveram razão de ser. Não há razão.

Não sei andar agora. Não sei ver, não sei sentir, só te sei a ti. Tropeço, esboço nevoeiros do que não toco, mas sou incompleta. Há uma voz que não reconheço que pede que me levante, que me aproxime da janela e respire, só um pouco, apenas um fôlego me bastaria para um sorriso pouco menos que falso. Não consigo, não sei, não tenho corpo ou se tenho ele não me obedece, apenas segue esse negro, esse ritmo compassado que hoje resolveu ser reconhecível aos meus olhos.
E a janela está tão longe. Tenho medo da vertigem, mas recordo-me, o medo de perder, mas perder o quê? Se olhar lá para baixo e me largar, o que acontecerá nesse momento em que o meu corpo reparar que perdeu as asas que me roubaste? Dor? Mais dor ainda? E é disso que tenho medo? Agora tanto faz …

Sou irónica. Amarga. Hostil e frágil, um veneno para quem se aproxima. Tantas palavras para saírem, apenas à espera de serem gritadas ou murmuradas, tanto faz, desde que saiam de mim, desde que deixem de me assaltar os sonhos e os dias. Mas já não as sei dizer. É um esforço humano, mas nem isso me sinto. Devoro-me viva, se ainda não estiver morta. Porque ver outra luz de tão perto e não conseguir mais do que ser o mesmo vazio de ti é morrer.

Não fomos para onde o céu foi…


De passagem ...

5 gotas de arco-íris

Bem sabes, meu amor, estaremos sempre de passagem.

Não acredito nas coincidências que me trazes, que a cada passo que dou para me afastar surgem inoportunas e me puxam um pouco para trás. Descanso os meus olhos no céu escuro e sinto a chuva lavar-me desse medo que és tu, que em ti renasce, dessa certeza amarga que és tu. Sei que tenho de descansar corpo e alma dessa efeméride que não o é e se tornou presente em mim.
Quero, mas quero mesmo, com toda a ternura que possuo, dizer-te que parti já, segui esse caminho que é nada mais que a soma dos meus passos pequeninos. Mas teimas, insistes em permanecer sem o fazeres em verdade. Pecas por omissão. Por intromissão. Por estares sempre de passagem.


O espaço que ocupas não requer a tua presença*, meu amor.
(porque não o fiz na altura devida,
agradeço novamente ao Gui esta frase)


Cruamente feliz

1 gotas de arco-íris

O mundo espera cheio de tudo ... sorrio quando o ouço. E sei que fala de mim, por mim, para mim.

A terra sangra em poeira e argila quando me ocorre a solidão, quando ela me sorri e acena de longe. Mas hoje a solidão foi de férias e há um sorriso incontornável e indelével nos meus lábios. Há um sopro de frescura cheirando a novidade, a pausa merecida, a caixotes por erguer nesta urbana rotina que me vem sufocando e ajudando a não pensar.
Há um horizonte cheio de cores à minha espera, um arco-íris sem fim, mesmo aqui ao lado, no rosto deste senhor que não entende que o olho porque necessito de ver o ser humano, e não apenas olhar contemplativa o seu mundo, na palma da mão daquela criança que esfarelou um bolo de chocolate na sua saia ...
Eu sou tudo isto e mais, tanto mais. Bebo desta realidade tanto como a leio e escrevo e penso. Devoro a sua crueza nua e abro os olhos à dor que espreita. Chama-me tudo, mas não ingénua. Sou uma voadora nata, um trapézio para quem me teme. Sou da espécie de vampiro que escuto agora, bebo o sangue não em banquete real, mas em necessidade pura, em avidez total. A dádiva de ver, de ouvir e escutar, de saber ler nas estrelas os segredos dos lábios, de conhecer o toque cúmplice e distingui-lo do roçar hesitante. Sei, porque me sei, e porque a vida me ensinou que não há nada capaz de parar o turbilhão de sensações que ela nos oferece.
Se temi as minhas asas foi por receio de não haver voo de outro ser à minha altura. Na ausência verde e fechada da solidão estendo-me para pairar e sonhar inatamente. Só assim vivo. Nada evito hoje, que o letreiro anunciou férias, e também eu as mereço. Nada mudo, apenas me reconheço espelhada no vidro dos prédios que observo. Não há medo, apenas verdade exacta e mutável. É o meu rosto, são as minhas mãos. As minhas asas não. Não se vêem. Sentem-se. Amam. É para isso que servem.


Quem sou eu para lembrar que a tua presença me arrasta?
Quem és tu para me arrastar?


Então? Vai ...

3 gotas de arco-íris

Dava-me um jeito mórbido que desaparecesses por uns tempos destas ruas que percorro.
Dava-me um certo jeito que não sorrisses, que não existisses dentro da minha vida.
Aliás, preferia mesmo que esse teu silêncio teimoso te queimasse a garganta e te engasgasses.
Aliás, o que eu queria era que de vez em quando a saudade te apertasse um pouco e não conseguisses respirar sem olhar o frio redondo lá em cima, por onde antes simulavas correios alados.
Precisamente ...


Sim, tu! E que tal desapareceres de vez ...
É que, sabes, o que eu queria era precisamente o oposto.


Novelos

2 gotas de arco-íris

Veio de passagem, breve e reluzente. Doce, tão doce como só ele soube algum dia ser. Quis escutá-lo mais tempo, aconselhar-me um pouco, descansar no seu ombro que me conforta enquanto me guia. Estendeu-me a mão quente e suave.
E desfiou novelos de quando eu era forte e árvore encerrada em corpo mulher. Mostrou-me o céu feito de pedaços das minhas asas quando se renovam, e sorriu, num sorriso muito nosso, cheio de abraços. Contou-me como me tinha visto perder em terras alheias, de como sabia que eu tinha segredos num cofre escondido na fonte dos meus rios. E soube escolher as estrelas que não se viam ainda para me lembrar de quando eu bebia a sua beleza e a irradiava em pétalas macias.
Perguntei-lhe ... quis saber, quis entender onde tinha estado quando tinha precisado tanto da sua mão, da sua presença em mim. Rolaram duas lágrimas da sua face enquanto me estendeu um pequeno embrulho, um novelinho frágil de teias de ternura e compaixão. Espreitei, como criança ávida, e vi-a. A minha romã. A minha pequena e magoada romã. Viajara por terras e nuvens longínquas para o encontrar, perdera cor, forma, mas não essência. Não me tinha perdido. E nas suas mãos ganhou vida, pálida, sim, mas renasceu.
Puxei-a para mim. Tremia ao senti-la. Chorei, sim, novamente como uma criança.
Ele levantou-se, ágil, como se os anos não lhe pesassem nos séculos. Percebi que ia partir, e como das outras vezes, ia embora para voltar, sem nunca me deixar. Tatuou-me com tinta invisível um abraço que nunca acaba. Agora sem palavras, fechei os olhos.

Encostei-me à porta fria sem saber se havia de entrar ou sair, escrever-me ou ler-me, falar ou calar. No verde que pintava a porta vi-me a sorrir sem o saber. E rasguei ainda mais o sorriso, cresceu alto e longo para logo se desfazer e estilhaçar no chão duro.

E soube-o. É só mais um começo (mas sou eu quem está no chão) ...


Fios de fuga

0 gotas de arco-íris

Acendo um cigarro e estendo as palavras habilmente. Com jeitinho, para não a cola não secar demasiado depressa.
Olho para elas como se para o outro lado do espelho onde o meu reflexo não mostra a minha imagem. O meu reflexo não sou eu ...
As palavras também não, descubro agora, desvendo-lhes o véu que ocultava o que já sabia, adivinhado com a intuição da dor que se reconhece noutra dor.
E há um brilho imenso, uma chama frágil e fugaz, entre o azul e o metálico, que existe sem fim nem princípio, em que somos alfa e ómega. Somos.
E a dor? Lancinante, agora que regressa com a lua a anunciá-la. Prende-nos em fios de marionetas, essa arte da fuga que encenámos sem concretizar, essa cruz que nos cega de nós e nos eleva onde o céu, azul também, fôr. Somos bonecos de porcelana com cacos feitos de letras e notas musicais, doces, e trocamos sorrisos entre os fios dos outros. Rastejamos em mímica e ninguém nos ouve, mas lemo-nos e sabemo-nos quase de cor. Quase de cor. Sem nos vermos.
Poeira de estrelas caídas e pés colados ao chão, enquanto voamos nos fios que se entrelaçam em nós e nos rasgam. Somos um acto neste espectáculo. E nem sempre somos os actores principais nesta história que escrevemos compulsivamente, que nos devora e nos alimenta. De mar revolto passamos a charco, ganhamos asas e subimos à pirâmide dos sonhos.
Fios de dor? Fios de pele? Atas-me, por favor, estou a escorregar e deslizo para ti ...


Luz própria e cintilante

0 gotas de arco-íris

Há teias nestes sorrisos que encontro. Há luzes que só brilham efémeras durante o dia, e que se resguardam na noite que julguei amiga. Vêm tons de verde e azul pairar em frente dos meus olhos, luminosos como se palpáveis. Quentes e meigos. Lembram-me alguém ... Luz, uma explosão de cor que sai de mim em direcção ao mundo que me fechou e agora escancara as portas. Lá fora a dor é maior?
À noite sufoco-as, retenho-as. Enquanto te adivinho na poeira fina da saudade. Passo a ponte, em direcção à margem escura. É no escuro que melhor saboreamos a luz, cintilante e longe, fugaz, e da qual não apercebemos quando a temos sentada a nosso lado. Saudade. Penso nas palavras que me aquecem, nos sorrisos adivinhados e trocados, dados e cedidos sem se verem, em toda a imensidão que não suporto em mim.
E em ti.
Breve a estrada, demasiado longa, embala-me a viagem. E sinto-me em queda livre ... invento a luz no chão ...

Deixo-as ir. Condescendo. Mas rápido, por favor.


Num dia confuso ... e em palavras simultâneas

1 gotas de arco-íris

Quis demais e o sonho nada traz ...
Tinhas de me ter dado isto? Esta sede de palavras, de sons, de ecos de ti? É a única lembrança de ti que ainda guardo, que ainda me faz sonhar, mas sempre um travo de engano, de cobardia, de ti, afinal ... ironia. Dás-me as palavras mais belas, doces e sublimes que alguma vez ouvirei, e nunca as saboreaste, nunca as tocaste com a ponta dos dedos e nem sentiste o seu calor a cheirar a corpo, a sua textura de segredos e partilhas. Não as entendeste, não as deixaste entrar em ti. Foram um brinquedo de criança para ti. Uma coisa. Um presente envenenado, embrulhado no mais fino papel e em lustrosos laços de cetim.
Deste-me chuva em gotas cintilantes e deixaste-me abandonada à sede de ti e a única água que me resta tem sal.

Isto é o que eu sou ...
... escrito quase quase a duas mãos ...


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