Enganei-me. Sinto-o em cada poro de pele, mas pior que isso, sei-o em cada impulso que controlo.
Eu, que tenho mil eus por revelar, nunca me domei perante asas menores que as minhas. Em abono da verdade, eu, que tenho mil eus por revelar, nunca me domei perante asas nenhumas.
Enganei-me e engano-me repetidamente. Aguento, suporto, insisto, lembrando tristemente que sempre que eu insisto eu esqueço que existo. Não esqueço. Nunca esqueço. Sou uma dormência perigosa por vezes. Cabem em mim as maiores das frustrações e isto é o que eu sou. Sou a fúria dos acordes que me despertam. Nada me contém e, ainda assim, permito que assim o pensem. Condescendo, com uma paciência quase infindável. Tenho medo de fins, porque a turbulência me fragiliza por me aumentar o vórtice que mal controlo. E calo. Ontem. Hoje. Amanhã não sei.
Já disse que isto é o que eu sou, olha merda, isto é o que eu sou, e é a este amargo sabor de quase ser que me destinam. Brandam paus e imagens e textos e sons, eu não sou de fiar. Mas isto é parte do que sou.
Outra parte é doce. Outra parte aconchega os pés num corpo imaginado e reconforta o corpo num corpo ansiado. Outra parte quer murmurar "amo-te" num ouvido que o mereça. Outra parte duvida da solidão. Outra parte quis acreditar na perfeição. Tudo isto é o que eu sou. Um misto de raiva feroz e ternura mansa. Uma improbabilidade possível.
Não me calam. Mal me tocam. E quando quiser repetir frases de algodão, fá-lo-ei, e quando quiser mandar-te à merda, fá-lo-ei. Uma a sonhar, a outra a despertar num pesadelo. Mas fá-lo-ei, porque em mim cabe tudo isto.
Ainda assim, enganei-me. Uma e outra vez, repetida e demoradamente, como se fosse morrer na ponta de cada beijo. Enganei-me, não me enganaste.
(to be continued)
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