Sempre depois ...
Em 01 fevereiro 2008 choveram pedacinhos de Green Tea | E-mail this post
Aqueles ali ao fundo estão aqui por minha causa. Sempre pensei que fosse morrer num dia surreal, talvez de nevoeiro fosco ou de céus estranhamente coloridos. Mas não, nem a morte me concedeu tais dotes. Parece que morri num qualquer destes dias, em que ainda julgava que tinha a vida pela frente. Parece que nem reparei, parece que os meus pareceres se esbateram, e já o mestre dizia que as certezas são mais caras do que as opiniões.
Aquele homem cavado que tem ares de cientista louco é o meu pai. A mulher ainda mais cavada ao lado, é, por consequência, a minha mãe. Ambos velhos e gastos. Ambos sós. Custa-me vê-los olhar para o meu caixão e saber que ficaram, definitivamente, sós. Um, só na multidão, uma outra, só dentro de si. Acho que estiveram sempre sós, e que sempre quase o souberam.
Estranhamente, não me lembro do dia em que morri. Não vejo mais ninguém. Sei que terá havido espanto aquando da pretensa notícia da minha partida, mas o espanto não é dor, e nada nos fere mais do que saber que não somos suficientemente importantes para alterar uma vírgula do dia de alguém. Vi abraços dados entre as pessoas, cada uma a lamentar-se, mas ninguém a lamentar-me a falta de sorte e de vida. Em verdade vos digo que não me matei, mataram-me e eu deixei. A vida matou-me, ao que parece, porque nunca fui adepta da violenta. Agora, tanto me dá. Na verdade, há já muito tempo que o ar se tornou irrespirável e talvez tenha morrido asfixiada, como os meus sonhos.
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