Queria tanto parar aqui, dizem uns.
Eu não. Não queria parar, muito menos aqui. Aqui faz frio e não sei onde estou. Não vejo a luz do dia, nada irradia calor.
Os dias sucedem-se, e pinto a alma com cores alegres, mas esmaecem, descoloram rapidamente.
Nem sempre fui assim, nem sempre tive as lágrimas a rasarem-me os olhos quando menos espero, nem sempre estive escuridão à minha volta sem desvendar uma nesga de ar fresco. Isto não sou eu, não quero ser este pedaço de nada que me encontro.
Acordar, vestir, trabalhar, embrenhar-me em rotinas. Capazmente. Competentemente. Ou talvez não. Ou então automaticamente. Ler nos olhos o que as palavras não dizem... mas para quê? Para quê perder o meu tempo? Porque não sei o que fazer com o tempo, ele é tão só como eu, mas permanece, desfigurado, enquanto eu me arrasto em pedras de almas de lama, e suja como só a solidão consegue sujar. As minhas mãos, nada seguram. Os meus olhos pregam-me partidas infantis, leio nos olhos, mas não sei ler nos lábios, porque os lábios se fecham porque nada há a dizer. E quando o silêncio chega, o frio adensa-se. Acomoda-se e instala-se.
Agora pareço um vazio, nem eu tenho palavras. As pessoas assustam-me com a sua felicidade, verdadeira ou momentânea, mas felicidade, daquela que eu não me lembro de conseguir sentir nos últimos tempos. Eventualmente o peito deixa de doer. Eventualmente é uma palavra estranha, traiçoeira. Sempre que penso que já parou de doer, a luz não me aquece: queima.
Frio. De morte. Estou morta. É isso. E não há Deus para os que se suicidam sem o fazer. Não há salvação no desânimo de quem nada entende. As palavras deixaram de fazer sentido. Neste momento, nada faz sentido. Presença, ausência, arte, escrita, palavras, nada disso faz sentido. Quem sou eu, de novo?
Alguma coisa terei de ter sido, um dia. Alguma coisa teria de ser, um dia. Não hoje, nem ontem, muito menos amanhã. Amanhã lá estarei, uma vez mais, sempre uma vez mais. Acordar, vestir, dar asas à rotina, talvez a rotina voe mais alto que eu. Talvez um dia saia da rotina, talvez um dia volte a ser eu, a fazer sentido, a ser um sorriso genuíno e não um exercício muscular.
Preferia não saber escrever. Preferia não ter sabido amar, rir, chorar. Preferia a luz ingénua à dor consciente.
Mas não se escolhe...
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