Ecoo como uma ampulheta. As ampulhetas são inúteis e permanecem inúteis.
Reduzem-se ao pó que contêm e que é sempre o mesmo pó. Sempre a mesma viagem, num tempo distinto, num mesmo compasso. Sem destino.
Ecoo, sim, inútil, e os dias amontoam-se na minha carne, mudos e pálidos. Mudos, como eu. Distribuo palavras, mas não falo. Articulo sons, mas nada me sai do corpo, da mente, nada diz que sou eu quem falo.
E não falo. As palavras parecem ter-se perdido de mim, como as ampulhetas perdem o pó de tanto o verem e conterem, eu perdi as palavras quando elas me disseram para fugir de mim.
Dir-se-ia que caio para dentro de mim, como se abismo fosse. Mas nunca me senti tão pouco merecedora de palavras. Nunca me senti tão perdida no meio de mim. Nunca entendi que não sou eu no espelho. Eu não tenho reflexo no espelho. Eu sou o reflexo do espelho.
Para já, por enquanto, sou a soma dos meus passos, a soma das minhas palavras, a soma das minhas mãos, e a minha carne que espere que os meus olhos ardam e queimem e ceguem na busca da luz.
Deixa-me descascar lentamente. E abandonar-me em confiança.
Perder-me em ti faz frio. Talvez seja o mesmo medo de sempre, mas esqueci que o verde dos teus olhos é mais profundo que mil oceanos de medo. E esse toque leve trouxe cheiro de campo até mim. Perco-me em ti, sim, e és vida que escorre pelas asas que te tento esconder.
E seria em ti que eu tudo acreditaria, se houvesse tempo, mas o tempo, esse tempo, nunca virá. Temos medo. Eu tenho. Tu terás, se me conheceres.
* * *

* * *
Afinal. Afinal és mais. Muito mais, eu sabia, sempre soube, e lembras-te quando no escuro te chamava de "meu amor"? Lembrei-me dessa altura, desse sorriso tímido que tentámos esconder e se desfez em fumo. Amei-te, meu amor, e depois passou, não rápido nem leve, passou como uma chaga que por ti aprendi a conhecer.
Talvez violeta, essa chaga, e é nela que te amo, te trarei sempre em mim, agora que descobri que também tens asas.
Amo-te, mas não o saberás. vai ser o nosso segredo que só eu saberei. Talvez só eu o tenha sabido sempre.
~ todas as dúvidas e todas as histórias se cruzam em todos os olhares que alguma vez tememos. sou eu e são muitos espelhos onde vos revejo ~

Na terra parece o meu ser esvair-se em saudades que não sabe nem quer sentir.
Reencontra o olhar subtil das palavras que não querem ser ditas e nem necessitam de o ser.
Recordo a força das palavras, e sinto-me como se a sua ausência me esbofeteasse mais do que todas as minhas ausências. Insignifico dor na medida exacta do ouro que reflicto nos olhos que me ajudam a acordar.
Agora sei o que sente uma esquina, cruzada e olvidada por todos os que a olham e miram sem a ver. Agora sei, agora sinto a dor quase doce de ser uma esquina, um cruzamento, um ponto ínfimo na teia de teias de vidas que por mim cruzam, e dizem "bom dia" com receio de não ganhar entrada directa nos portões dourados do amanhã que já se apressa.
Agora que sei o tamanho da saudade que não sinto, e o tamanho do vazio em que nos torno quando perco as palavras, pareço imersa num turbilhão de vários nós.
Agora que me rodeiam tantas palavras, apenas quero ser esquecida.
Somos nada. Seremos nada, mas amanhã estaremos juntos, abraçados no nada, quem nada tem pouco pode perder, e foi a jogar aos dados que dizem que Deus criou o mundo.
Esqueces-me?