Ininterruptus
Em 08 março 2007 choveram pedacinhos de Green Tea | E-mail this post
Acontecem sim, quando menos esperamos.
Vêm de mansinho e sopram-nos ternura ao ouvido, aconchegam e confortam.
Saí do caos lisboeta hoje. Ia despejar a minha raiva numa chama fugaz em comunhão com outras fugazes chamas, promessas dizem chamar-se, mas eu promessas não faço. Nem cobro.
Ia lamentar-me ao meu mundo fechado chamado fé, rogar ou suspirar no ombro ameno de sempre, feminino, masculino, Maria ou José, Emanuel ou simplesmente a presença doce no meu peito pela manhã.
E foi então que aconteceu. Enquanto olhava o fogo dormente e doloroso a queimar a frustração de nem palavras encontrar, ouvi-a. Os meus olhos queriam morder-lhe a voz por me arrancar ao meu lamento furioso, mas em vez disso espraiei um olhar terno como raramente faço. Foi-me devolvida a mesma ternura num pedido que me desarmou. Estiquei a mão e coloquei-lhe a vela no tosco castiçal. Afastei-me com um sorriso tatuado na alma.
Fiquei de pé a olhar para o rosto que nunca para mim fora maternal. Mas hoje foi. Não me lamentei nem desferi golpes surdos, não soltei a fera raiva, não explodi de indignação. Antes lhe entreguei, nas suas pequenas mãos, prontas para abraçar um mundo cheio de dores e penas, tudo o que as minhas palavras nunca poderiam dizer. E pela primeira vez, não houve pudor de medir palavras, desejos, frustrações. Só uma paz, que começou numa voz a interromper toda a onda de putrefacção que me consumia.
Fui. A luz entrava pelos olhos, sem doer, sem queimar, entrava em mim e de mim saía. Sentei, a almoçar um gelado criança como eu. Lembrei-me de quando tinha almoçado um gelado e sentado numas escadas, frente ao estádio. Falar de vinho, fogueiras, tropelias. Veio a saudade. Deixei-a a vir. Abracei-a, mas avisei-a.
Passei por Vale de Seta. Morri um pouco. Renasci, com o pensamento mais leve.
Tudo. Se te amo? Parece que sim. Se te quero? Talvez sim. Se te creio? Apenas creio no Sol, mesmo quando ele desaparece, e no amor, mesmo quando ele não me envolve.
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