Viagem na palma da mão


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Caminhava...
Já me tinha perdido e não encontrado e tinha sede. Maldizia de mim, do que me tinha dado para sair à aventura num caminho que não conhecia.
Passei o dia todo a andar, com a poeira fina da terra colada aos sapatos e a entranhar-se na roupa, nos olhos e na pele. Só ouvia os meus passos e era o som monótono que me perseguia há horas. Fugir dos próprios passos, que ideia tão estranha, e era só no que pensava...

Cheguei a uma pedra, grande, cinzenta e esverdeada, rugosa, mas nem muito, parecia mesmo um sítio para descansar, era só encostar o corpo, fechar os olhos (se é que eles ainda não se tinham fechado). Deixei-me estar...

E ela passou por mim. Admito que no início me assustei, quer dizer, era o meu sonho, não estava à espera de desconhecidos, muito menos deste tipo. Figura franzina, trapos esfarrapados, e foi só nisto que reparei quando ela passou. O instinto de quem está perdido foi mais forte.
- Desculpe - a voz tremia, de cansaço, de desconfiança, sei lá, era o mundo a cair-me em cima
- Estás perdida não é? Anda, eu encontrei-te, vem comigo que precisamos de falar.
Pânico, pânico, SOS! Todas as senhas que eu conhecia, todas as convenções ensinadas ecoavam-me na cabeça, não vás. Lentamente, levantei-me da pedra grande, sacudi a poeira da roupa e da cara, sorri a medo, e fui.
Era velha, muito velha. Rugas desenhavam-lhe a cara, mas numa serenidade e numa harmonia impressionante. Os olhos, escuros de noite, carvão incandescente, eram doces e severos, uma sensação que nunca me tinha dado, e a minha sanidade mental resolveu amedrontar-se e deixou-me mesmo ali, que estes excessos nunca foram com ela.
Segui-a, e apercebi-me do quanto estava perto de tudo. Meia dúzia de minutos e encontrei-me sentada num banquinho pequeno de madeira, tosco mas tão confortável que parecia uma cadeira de baloiço, moldava-se a madeira à carne, e não a carne à madeira. A primeira de muitas surpresas desta velhota pequena que mal me dava pelos ombros.
- Estranho estares aqui. Tenho pensado em ti.
O quê? Pensei e disse, mas a resposta que tive foi um largo sorriso. Sorriso abençoado, sem dúvida. Aqueceu-me como um chá verde, adoçou-me como mel e algodão doce.
Sorri também. Pensando bem, era um sorriso desconfiado, mas suplicante de saber e de sentir. É uma bruxa dos contos, repetia para comigo. Se fosse, estava a ir na cantiga, ali sentada à espera, como uma criança à espera da história antes da sesta.
Ela levantou-se, a agilidade já não me surpreendia, mas continuava a espantar-me. Voltou com um saquinho de veludo verde escuro, tão pequeno que cabia na palma da minha mão. Como um relâmpago, a melodia da "Viagem na palma da mão" ecoou na minha mente. Abanei a cabeça, tinha voltado a olhar para o saco de veludo...
- Abre-o. Tenho-o guardado para ti.
- Para mim - sussurrei e a voz parecia encher a sala do meu medo rouco e surdo.
Abri o saquinho. Para a minha mão deslizou uma madeixa de cabelo cor de laranja a reluzir. Terror puro. Tremia a minha mão, a minha alma, e o meu sangue gelou-me de verdade, nem falei, nenhuma palavra conseguia sair dos meus lábios, tantas eram as que me invadiam a cabeça. Devia era pedir-lhe explicações disto tudo! Mas ela antecipou-se, e começou a falar.
Falou e desfiou contos de um baú desde o princípio do mundo, de como tinha sido ver a Terra a fervilhar no meio de outras terras, de como tinha visto Deuses criarem homens e Homens a criar deuses, de como tinha visto sangue na mãos dos mais puros e amor na alma dos mais cruéis... Fiquei ali na minha quaresma, qual deserto onde se entra no oásis do Tempo. Dias, noites, horas, segundos e minutos não contavam, a ampulheta pairava suspensa por um fio invisível, sorrindo.
No fim, duas gotas rolaram-se da face, perderam-se nas rugas pinceladas pelo Criador, e deslizaram até ao chão, formando uma enorme poça. Um lago brilhante, onde se espelhavam figuras e formas de pessoas.
- Se olhares para esta nascente, vês o que escrevi para o teu futuro.
Fiquei paralisada. Todas as minhas dúvidas... vou chegar a velha? vou ser mãe? vou ser feliz? O corpo não obedecia à ordem que não lhe dava.
- Ou podes esquecer, e tomar a vida nas tuas mãos, para que eu chore só pelo que se passou de mau, e me alegre por te ver seguir o teu caminho, apesar da poeira fina da injustiça que se prende à carne e te entristece a alma.
Sabia que este tempo tinha chegado ao fim, era o tempo de partir, a ampulheta não esperava mais.


Voltei a acordar. Esta viagem ao templo da sábia e anciã Vida ainda estava fresca.
E voltei do outro lado do arco-íris.



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